A Casa de Deus

No AT, vemos este termo associado ao local onde Deus habita. Eu também concordo com esta declaração, porém, eu pergunto:

Onde Deus habita?

Posso concluir que Deus habita onde está o seu trono, isto é, nos céus (Sl 11:4; 103:19; Mt 5:34; 23:22). Sabemos que um trono simboliza soberania, majestade, glória e juízo, como também, é um lugar onde descansar. Logo os céus é o lugar da soberania, da majestade, da glória e da justiça de Deus, e é onde Ele descansa (Is 66:1; Mt 5:34; At 7:48-50).

Parece-me que Davi não atentou com cuidado para essa questão, achando que o Soberano e Todo Poderoso fosse gostar de ser rebaixado à soberania dos homens. Parece que ele não tinha vislumbrado a imensidão do poder e da glória de Deus e sugeriu que Este pudesse habitar em um templo feito por mãos humanas. Ele não tinha percebido que desde Moisés, o Todo Poderoso nunca manifestou qualquer intenção de ter uma casa, ou lugar de habitação, entre os homens (2Sm 7:6-7).

Deus, sendo imenso, infinito e, ainda, onipresente, não precisa se instalar em um local específico, pois ele é o criador de todas as coisas e elas existem por ele e para ele (Is 66:2).

O céu, seu trono, seu mundo, é espiritual, sem fim, sem início e ele se encontra em todas as inimagináveis localizações espirituais.

A dimensão terrestre, a terra, o Universo e o cosmos foram feitos por ele, e são finitos e determinados, um grão de areia, se comparado grosseiramente com o mundo de Deus. Um dia, toda esta criação vai acabar, quando tiver sido cumprido o seu propósito de existir.

O tabernáculo da tenda da congregação que Ele pediu a Moises, foi o local material para onde o povo deveria olhar e temer, pois representava a presença de Deus. Assim o fez para que o povo não tivesse a sensação de estar longe dos olhos do Todo Poderoso e mais livre das consequências da desobediência. Com o tabernáculo presente, eles sabiam que o juízo estava à sua frente e que teriam de encarar o Senhor, na prestação de conta das suas transgressões.

O tabernáculo representava a vida e a morte. Ao entrar no tabernáculo, eles sabiam que só teriam duas possibilidades, ao sair. Com vida ou sem vida.

O dia determinado pelo Senhor para se fazer presente no Santo dos Santos era o dia de juízo. Ou eles, arrependidos de verdade, confessavam seus pecados, e materializavam sua confissão na qualidade dos preparativos de purificação, das oferendas e sacrifícios, ou, qualquer ato menor que isto redundaria em sentença de morte (Hb 10:22). Não havia a próxima vez. Não havia meio termo. Ou sim, ou não. Ou havia o verdadeiro arrependimento, ou havia a morte.

Os mandamentos impostos e requeridos por Deus eram de extremo rigor e ninguém duvidava da sua justiça.

A sensação experimentada, ao sair do tabernáculo, era de ter nascido de novo. Era com desespero de alma e imensa gratidão pela aceitação do arrependimento. Era um momento que não se podia acreditar que fosse real, que estivesse acontecendo. Teria que se beliscar para acreditar que ainda estava vivo, tamanha a reverência, sobriedade e perigo, de se aproximar da presença do Senhor.

O tabernáculo do testemunho não era o lugar sagrado, mas a presença do Senhor era (Mt 23:17,19). O povo se reunia nos átrios da tenda da congregação e aguardava, com a culpa em seus corações, com a alma angustiada, a vinda do Senhor. A Sua presença, sim, era sagrada e aquele momento, de vida e morte.

Davi estava tão acostumado a se aproximar de Deus que lhe era natural, como, dar uma passadinha por lá. O seu coração puro, verdadeiro e obediente para com Deus lhe assegurava a vida. Ele buscava continuamente a presença do Senhor e este lhe respondia. Ele andava sempre com o Senhor e este o amparava. Porém, o levantar uma casa para o Senhor, além de não ser necessário, não era para ele.

Com o filho de Davi, Salomão, o Senhor agiu diferente. Havia uma razão divina de ser, para a decisão do Senhor de fazê-lo levantar um templo ao Deus Altíssimo. Com certeza, esta razão não era a de ser a casa de Deus, mas uma casa para o Seu nome (2Sm 7:13).

O povo de Israel peregrinou por muito tempo no deserto, sem uma terra para si. Chegaram e, depois de muitas batalhas, possuíram a terra que lhes tinha sido prometida por Deus. O reinado de Davi foi o tempo de consolidação da possessão da terra. Com Salomão, o reino, já estabelecido, prosperou. Agora o povo não precisava de estar se deslocando de um lugar para outro, como nômade. A razão da mobilidade do tabernáculo já não se justificava. O tabernáculo poderia ser estabelecido de forma definitiva, num lugar específico, num cenário isento de conflitos e guerras, em Sião. E assim sucedeu.

Não era necessário tamanha pompa na sua construção, porém, o povo não queria se sentir inferior aos povos vizinhos que levantavam suntuosos templos aos seus deuses. Assim um grande templo foi construído e foi chamado de casa, a Casa de Deus.

A função do templo permanecia a mesma que a do tabernáculo. Somente foi mudado o tipo de material com que foi construído. Novos, porém, os mesmos utensílios e parafernálias. O lugar do Santo dos Santos permanecia lá e a sua função continuava sendo a mesma. A Arca do Testemunho também era a mesma e continuava lá posicionada. Os cerimoniais, as oferendas, os sacrifícios, as oblações permaneciam as mesmas. A função sacerdotal permaneceu. A função divina permaneceu. O Senhor continuou visitando o seu povo na data e local determinado por ele (Ex 25:22).

O povo continuava a se aproximar do Senhor com a mesma reverência de quando se aproximava do tabernáculo. Continuava a ser o lugar da vida e da morte. Todo aquele que se aproximasse do Senhor teria que fazê-lo com verdadeiro arrependimento e temor.

O templo, deixou de ser o Tabernáculo para ser a Casa de Deus, a casa para o Seu nome, para o povo de Israel. Também não era o lugar sagrado, mas a presença do Senhor, era.

A desobediência do povo aos preceitos, ordenanças e mandamentos de Deus, com seu coração endurecido, levou a invasões da terra prometida. Israel foi dominado, o templo destruído, as tribos dispersas. A Arca do Testemunho foi levada e desapareceu.

Não havia mais a nação de Israel e nem mais o seu templo. O objeto e local de manifestação do nome do Senhor não existia mais.

Depois de muito tempo o povo acabou retornando à sua terra. Começaram a reerguer os muros e reconstruir Jerusalém, porém, não reconstruíram o templo.

Um século antes da vinda do Messias, Jesus, Herodes reconstruiu o templo. Foi o segundo templo. Nele faltava a Arca do Testemunho e sem ela o templo não mais tinha o significado de outrora. Sem a arca, não era possível realizar a intercessão com o sangue de animais sacrificados. Logo, o templo não passava de uma edificação ostentosa, onde Deus não se fazia presente no Santo dos Santos.

A ausência do Senhor era questionada, mas não haviam profetas para mostrar onde estava o erro, ou o propósito do silêncio divino.

Chegou o Messias, Jesus, e lhe mostraram a grandiosidade do templo. Este não o valorizou como os discípulos, o povo e a classe religiosa o valorizavam.

O grande profeta esperado para os orientar havia chegado e eles o rejeitaram. O verdadeiro Tabernáculo de Deus estava ali, presente, e eles ainda não o tinham percebido. A morada de Deus estava andando entre eles e eles não a tinham reconhecido. O lugar de soberania, de majestade, de glória, de juízo e salvação andava entre eles e ninguém o notou. O lugar de descanso estava próximo e ninguém foi a ele. A casa do nome de Deus estava ali, estampando o nome de Deus e ninguém o ficou sabendo (Mt 16:13-16; Ez 37:26-28; Mt 11:28-29; Jo 17:26).

Enquanto todos olhavam para o lugar Santíssimo do templo, aguardando a vinda do Senhor, o Senhor veio, estava lá fora, andando entre eles e pregando a mensagem de perdão dos pecados, sendo imolado na cruz, derramando seu sangue remidor e lhes ofertando a vida eterna. Todos estavam cegos na sua espera religiosa. Todos perderam a hora da salvação.

Deus estava entre eles e eles procurando por outro, da forma como eles imaginavam, como eles achavam que viria (1Co 2:9).

Após a morte e ressurreição de Jesus, o Espírito veio e habitou nos homens. O mesmo Deus que estava no Filho, estava agora revestindo os homens que creram no Filho, Jesus, como Deus Salvador. Estes passaram a ser santuários do Espírito, participantes de um só corpo em que habitava o Espírito (1Co 6:19).

O corpo do Salvador passou a ser a casa de Deus, a casa do Espírito Deus, levantada não por mãos humanas, mas pela sua mão poderosa (At 17:24; Hb 9:11). Este corpo passou a ser o verdadeiro santuário e a cabeça do corpo o grande Sumo Sacerdote (Jo 2:21; Hb 8:1-2). Este é o lugar de alívio, de descanso, de conforto, de liberdade, de vida eterna. Este é o reino dos céus e o sacerdote da nova aliança (Mt 4:17; Hb 9:15).

“Que casa me edificaríeis vós?”, diz o Senhor.

≈ ≈ ≈

O cristianismo vem disseminando a doutrina de que Deus está presente em um determinado local, chamado de a Casa de Deus, onde os seus adoradores devem praticar as suas devoções. Que os adoradores de Deus precisam ir a um local especifico, chamado de a Casa de Deus, para que possam adorá-lo. Caso contrário, estarão em pecado, ou seja, transgredindo ao mandamento de Deus de se reunirem na Sua casa.

Todas as religiões, ou vertentes, do cristianismo adotam esta doutrina de um local físico de adoração, feito de pedras, por mãos humanas. Se utilizam da analogia da tenda da congregação, de que, assim como o povo de Israel se reunia nos átrios e aguardava o momento do perdão por suas faltas, o povo tem de ir a este local físico, a “igreja”, o templo, para que receba o perdão por suas faltas.

Do exposto até aqui, podemos ver que esta doutrina não tem fundamento, é incoerente e, seguramente, de origem maligna. Basta ser um dedicado buscador da verdade nas Escrituras e no Novo Testamento para denuncia-la como falsa. Porém, devemos destacar que tem sido de elevada conveniência para estas vertentes, para que possam se firmar em seus interesses institucionais.

É a mesma justificativa sacerdotal, de que o sacerdócio é uma oferta para a obra de Deus que tem enaltecido o homem, acima de Deus (Mt 7:11-13).

Davi não soube discernir; os discípulos não o souberam, igualmente, e a apostasia dos crentes do primeiro e dos seguintes séculos, os cegou para não entenderem a destruição que o maligno estava realizando, no que era para ser o corpo do Senhor.

O maligno estava atuando e fazendo as almas que uma vez tinham sido iluminadas, olharem para o passado, para o que já tinha sido e não foi eficaz.

Ao olharem para a letra morta, de tal modo a lhes ofuscar a visão arrebatadora da esperança espiritual, no Senhor, deixaram de sentir o efeito presente da boa, real e eficaz Palavra de Deus, a participação do Espírito e dons celestiais, e a mensagem de salvação anunciada pela Palavra viva (Hb 6:4).

Podemos entender que as instituições do cristianismo estavam fazendo um desfavor para a propagação do evangelho do Senhor, embora crescessem numericamente, em vez de favorecer a manifestação do Espírito de Cristo, na realização da missão de evangelização dos povos aos quatro cantos do mundo.

Na ânsia de realizar o seu entendimento desvirtuado da missão do Senhor, o cristianismo rejeitou, descartou a realização por meio da ação do Espírito, mesmo sabendo que é o Espírito quem vivifica.

O entendimento adotado, sem a guia do Espírito, só podia resultar no desvirtuamento da verdade.

Fica evidente que o maligno estava operando, a todo vapor, para a destruição da obra do Espírito, obstruindo a consolidação do plano de salvação, por meio do ego da natureza humana.

Descartando a ação do Espírito, o homem buscou apoio nos registros passados, que na sua época, eram as Escrituras, o AT. Conforme foram surgindo os primeiros registros do que viria a ser o NT, sem o entendimento do Espírito, foram adotados como sendo originais e verdadeiros, mesmo que alguns deles não fossem unânimes em seus relatos.

Da mesclagem desses registros foram originadas as primeiras doutrinas da cristandade, entre elas a doutrina da casa de Deus, como um edifício material.

A óbvia consequência desta doutrina é a construção de igrejas, templos, mosteiros e santuários. Também é obvio que estas construções gerariam custos, tanto pela construção como pela manutenção.

Dá-se início, então, a necessidade de arrecadação monetária, de materiais e de trabalho humano.

Os custos representaram uma carga pesada que foi repassada para os fiéis ou adeptos. Aplicou-se a imposição ideológica, ao incutir nos adeptos a sua falta ou pecado se não contribuíssem, ou o temor religioso, ao incutir nos adeptos a punição meritória pelo pecado de contribuírem pouco.

Numa época de poder aquisitivo inexpressivo dos adeptos, na sua grande maioria pobres vassalos de reinos e feudos, e de grandes riquezas da nobreza, a quem pertencia os reinos e feudos, foram surgindo outras doutrinas que visavam garantir a arrecadação e a sua recorrência. Então, foram incorporadas doutrinas como a do dízimo, de ofertas voluntárias, de perdão de pecados, ou de garantia da ida para o céu, conhecidas como venda de indulgências.

Acredito que não é preciso falar mais nada. Este assunto é de conhecimento de todos.

O que nem todos conhecem, porque nunca foi conveniente para as instituições do cristianismo, é que não foi permitida a abertura e a disponibilidade ao conhecimento das coisas espirituais e da verdade do evangelho, a todos. De que nenhuma daquelas doutrinas foram ensinamentos, ou mandamentos do Senhor.

O Senhor estava ciente, como ainda está, de tudo o que o homem estava fazendo com a sua mensagem e, também, estava operando para que os escolhidos viessem a perceber a verdade. Muitos desses escolhidos se rebelaram contra e pagaram com a vida.

É incrível que os registros bíblicos daquela época são, praticamente, os mesmos que temos hoje, com ressalvas para as traduções e interpretações inescrupulosas. São os mesmos que nos mostram a mentira e o engano do homem, para estabelecer sua soberania sobre o homem.

Cabe a pergunta: e nós, hoje; por que ainda estamos aceitando esta falsa doutrina?

A resposta me parece óbvia. Os adeptos afortunados sempre gostaram dessa conveniência, pois representava a oportunidade de poder contar com um certo prestígio junto às autoridades religiosas e alguma recompensa em forma de favores e notoriedade.

Aos adeptos menos afortunados restaram a submissão à notoriedade dos afortunados e às autoridades religiosas, para que pudessem ser considerados, ou achados dignos de serem nomeados ou convidados a participar em seus eventos e atividades. Acho que podemos chamar isto de jogo de influência e de barganha.

Ainda hoje é uma prática comum e até natural dentro das instituições do cristianismo. Muitos estão sendo comprados pelo reconhecimento e favores concedidos. Muitos estão comprando a mercadoria que está sendo exposta na vitrine da religiosidade.

A oferta é grande: rituais e celebrações, ambiente aconchegante, irmandade fraternal, shows musicais, espaço dançante, elevação da autoestima, favores divinos, tudo para que os adeptos se sintam bem com “Deus”. Estes são os atrativos oferecidos no que hoje se chama a casa de Deus (Mt 21:13).

※ ※ ※