Espiritualidade e Adoração

Talvez este tema devesse ser “Religiosidade e Devoção”, já que são sinônimos, tanto quanto espiritualidade e adoração o são. Seria mais fácil falar de coisas terrenas, produzidas pelos homens, do que falar das coisas espirituais, relativas ao mundo espiritual que muito pouco sabemos. Porém, sinto que devo falar da espiritualidade, em vez da religiosidade, e da adoração, em vez da devoção, embora os termos se entrelacem quando fazemos comparações.

O termo espiritualidade é muito usado por diversas filosofias esotéricas, bem como pelas religiões. Algumas vezes se refere a aspectos metafísicos da consciência humana; outras vezes, a manifestações fantasmagóricas e, ainda, à possessão corporal, mediunidade ou canalização.

Uma definição de espiritualidade mais genérica poderia ser “a vivência do espírito”, ou seja, “vivendo a vida do espírito”, já que tem uma relação intrínseca com o espírito.

Mas, o que é um espírito?

É muito difícil explicar algo que não sabemos o que é.

Quando nos deparamos com manifestações estranhas, fora da ação natural das pessoas, nós somente podemos intuir que tais manifestações não são de origem humana e as chamamos de manifestações sobrenaturais, ou espirituais.

Podemos apenas tentar descrever um espírito, no sentido de formar uma ideia, ou um conceito. Por exemplo, é o aspecto da existência dual humana que a consciência do homem reconhece existir, mesmo não sendo possível ver, ouvir ou tocar (Jo 14:17). Ou seja, é de natureza sobrenatural, transcendental. Sobrenatural porque parece estar além do que conhecemos como natural, da natureza terrena. Transcendental porque parece estar além da nossa capacidade de apreender e abstrair como forma pensamento, ou ideia.

Com base no relato bíblico, dois aspectos do espírito poderíamos afirmar: ele não tem corpo, portanto não ocupa espaço, e não está sujeito ao tempo. Por isso nós não conseguimos materializar em nossa mente um símbolo que o represente na nossa realidade. Quando muito, podemos dizer que é uma outra parte existindo em um mundo diferente, o mundo espiritual.

Embora ele não tenha corpo, ele precisa de um para se manifestar. É assim que nós podemos observar a sua ação e deduzir da sua existência. É por meio da sua manifestação em um corpo, seja de um humano, de um animal, ou objeto material, que notamos sua ação.

Espíritos demoníacos foram relatados nos evangelhos, tanto em pessoas como em animais. Manifestações espirituais ocorriam aos profetas de Deus, pela ação do Espírito de Deus. Espíritos de engano e de erro se manifestavam aos profetas desobedientes ou do mal. Pelo Espírito de Deus, a mula falou, o peixe vomitou o profeta, o mar se abriu, o fogo desceu do céu, o cajado virou serpente e a rocha fendeu e brotou água.

É interessante notar que relatos bíblicos atribuem ao espírito as características da consciência humana. Embora não possua corpo tangível (Lc 24:39), ele pode falar (Lc 12:12), ouvir, ser alimentado, dormir ou estar acordado, estar alegre (Rm 14:17) ou triste, amargurado, aprender, ser sábio, inteligente (Col 1:9), nascer (Jo 3:5), viver (Rm 8:6,10) e morrer (Ap 2:11).

Assim como fazemos sacrifícios carnais, como o jejum, o espírito também realiza sacrifícios espirituais, como a confissão do nome de Deus, a beneficência e a comunicação (Hb 9:23; 13:15; 1Pe 2:5). No entanto, não podemos fazer esta simples transferência conceitual baseados no que a nossa consciência apreende da realidade material, ou de relatos.

Se o espírito vive em uma realidade espiritual, temos de aceitar que também tem uma mente espiritual, que desenvolve um conhecimento espiritual, formando a consciência espiritual de sua realidade (Cl 1:9). Se não for assim, estes relatos são apenas fábulas e não fazem sentido na vida espiritual.

Jesus disse que temos de nascer de novo, do espírito (Jo 3:3,5). Isto só pode acontecer se o Espírito de Cristo estiver em nós. Significa que precisamos do Espírito Santo em nós, para fazer o nosso espírito nascer, crescer, ou desenvolver a consciência espiritual e se tornar adulto (Lc 1:80). Só a presença do Espírito é capaz de despertar o nosso espírito para que busque o acesso e adquira a consciência do mundo espiritual (Jo 3:6). Coisas espirituais se discernem pelo espírito (1Co 2:14). Enquanto estivermos na carne, estaremos mortos espiritualmente (Rm 7:5).

O apóstolo Paulo sugeriu que o homem é composto de corpo, alma e espírito, separando a alma do espírito (1Ts 5:23). No meu entender, o nosso espírito nos foi dado pelo folego da vida, uma pequeníssima porção do Espírito criador. Esse espírito enquanto excita a vida no corpo, vive as nossas experiências e apreende a nossa realidade em uma relação intrínseca, simbiótica, com o corpo. Ele dinamiza as reações químicas das células, para executarem o padrão do Criador do corpo. Ele é o motor excitador de todas as funções do corpo e da mente. Ele dá forma à consciência humana, desenvolvida na mente, por meio das conexões neurais do cérebro. Sem ele não há vida, não há consciência, ou alma; o corpo morre e retorna ao pó.

O despertar da consciência terrena é a ação do nosso espírito na formação da consciência do ser vivente, desde o momento em que nascemos no mundo. Esta consciência dá corpo para a alma humana e, como a alma fica aprisionada nas experiências da bolha humana, a consciência do espírito do homem, também.

O despertar da consciência espiritual é a ação do Espírito Santo na formação da consciência espiritual do ser espiritual. Precisamos que o nosso espírito tenha o contato com a vida do mundo espiritual, para que possa apreender a realidade do mundo espiritual e desenvolver a consciência espiritual. Isto só acontece quando o nosso espírito recebe um chacoalhar do Espírito Santo e se deixa levar, pela mão do Espírito, na jornada da vida espiritual.

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Com esta ideia em nossa mente podemos, então, definir espiritualidade como sendo o estado de consciência espiritual do espírito.

Assim como a Realidade material é um estado de consciência material, isto é, da mente humana, quando estamos despertos, em estado de vigília, a espiritualidade é um estado de consciência imaterial da mente do espírito, na sua realidade imaterial, ou espiritual.

Se nós podemos construir a nossa consciência material a partir da realidade material do mundo natural, o espírito também pode e precisa construir a consciência imaterial a partir da realidade imaterial do mundo espiritual. Quando isto acontece, temos o ser completo que tem vida em ambos os mundos (1Cor 2:15).

Embora o espírito exista como outra parte do nosso ser dual, ele está adormecido para o mundo espiritual e permanecerá neste estado, a menos que o Espírito o sacuda e desperte para ser o meio e instrumento de ligação com o criador.

O criador, Deus, é espírito. Portanto, somente pode ser alcançado e comunicado pelo nosso espírito se o Espírito estiver em nós e interceder por nós (Rm 8:26-27).

Como as leis fundamentais do mundo celestial ou espiritual de Deus são o amor, a justiça e a verdade, a nossa mente espiritual precisa desenvolver-se por meio destas leis, construindo a consciência da realidade espiritual, do mundo de Deus. Somente através dessa consciência espiritual é que podemos ser um com Deus, na unidade testificada pelo Pai, pela Palavra e pelo Espírito Santo (1Jo 5:7).

O ser espiritual assim formado constituí um lugar propício de habitação do Espírito de Cristo (1Pe 2:5). O ser espiritual sendo habitado pelo Espírito do Senhor passa a ser um templo de adoração, onde se encontra a santidade, a paz e a verdade. Este é o tipo de lugar que Deus procura para habitar (Jo 4:23).

A consciência material, aprisionada a esta realidade material, não é capaz de conceber a formação desta união espiritual e tão pouco a verdadeira adoração (1Cor 2:14).

É o Espírito Santo que nos reveste e proporciona a experiência e o aprendizado do nosso espírito. O crescimento do nosso espírito só pode acontecer por meio da ação de um ser espiritual, como Espírito guia, mestre e mentor fiel, na orientação do aprendizado espiritual. Sem esta intervenção, nada e ninguém neste mundo, por mais poderoso, sábio e religioso que seja, poderá nos fazer vislumbrar e entrar no reino de Deus (Jo 3:3,5).

O conhecimento espiritual adquirido dessa forma é transferido, simbioticamente, para a alma humana. Quando isto se dá, os nossos olhos e ouvidos são abertos para vermos, ouvirmos, entendermos e sermos curados. Só assim poderemos ver a glória de Deus, ouvirmos a Sua voz e sentirmos a paz que ele nos dá.

Quando falo de uma intervenção externa ao homem, estou falando do Espírito do Altíssimo, o Espírito Santo ou o Espírito de Cristo, do Pai, do Filho, da Verdade, do Verbo, da Palavra, pois todos são apenas UM. Parece que estou falando de muitos espíritos, ou diferentes pessoas, mas não estou. Todos estes são apenas um e um mesmo ser espiritual. Os termos usados são apenas títulos diferentes, rótulos que foram inventados para o mesmo ser que é Deus, cujo nome é Jesus.

Quero salientar, apenas, que o Espírito de Cristo, em particular, é a porção sem medida do Espírito de Deus, do Pai, não mais na forma de uma unção que cobre, mas, revestindo plenamente o Filho. Esta porção sem medida do Pai viveu em um corpo carnal e andou entre nós, conheceu a realidade e o sofrimento humanos, moldou a sua alma humana, tornando o Filho como um de nós. O Filho Jesus é o próprio Deus entre nós (Is 7:14).

Como o Espírito do Altíssimo é onisciente, de glória infinita, o todo perfeito, o todo justo, e o todo absoluto, ele não pode ser reduzido, rebaixado ao nível terreno, carnal, para poder encher, revestir, o ser humano imperfeito. Por esta razão a unção do Seu espírito vinha sobre, cobrindo os seus profetas, e nunca os revestiam, os enchiam, pois, se isto acontecesse, pelas suas condições de pecadores e imperfeitos, seriam aniquilados. Somente o estar na santa presença da representação do Altíssimo tornou o semblante de Moises resplandecente e justificou o temor de Isaías por ter visto o Rei, o Senhor dos Exércitos (Is 6:5).

Esta, também, é a razão pela qual Jesus disse que pediria ao Pai para enviar o Espírito Santo para que estivesse nos apóstolos. Este Espírito, santo, estava ainda revestindo o corpo Jesus e formando a alma de Jesus, com a experiência humana.

Após a morte corporal, o corpo material de Jesus não mais existia, existindo apenas o corpo glorificado, o que permitiu que o espírito que habitava nele pudesse, agora com a vivência da alma humana do Senhor, ser enviado com condições de poder revestir, habitar, o homem natural (Jo 7:39; 14:26).

É este Espírito de Cristo que foi chamado por Jesus e pelos apóstolos de Espírito Santo. A sua presença no ser humano deixa de ser passageira, como o efeito da unção, para ser plena, pelo encher, pelo habitar e selar.

Quando é dito que o Espírito em Jesus era sem medida, precisamos entender que não havia um limite para a sua manifestação, mesmo estando na forma corporal. As possibilidades de manifestação do Espírito eram infinitas, enquanto no tabernáculo Jesus, limitadas apenas pelas necessidades dos homens.

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O Pai, Deus, o Espírito Santo, somente tem interesse e volta sua face para os verdadeiros adoradores, aqueles que o adoram em espírito e em verdade (Jo 4:24).

Não é uma ação dependente da nossa vontade, do nosso querer, da nossa devoção, mas unicamente da forma como O adoramos. Não existe nada neste mundo que você possa fazer para merecer ou receber o Seu Espírito. É o Senhor quem decide pelo sim e pelo não, em quem ele quer, na hora que ele quer, da forma que ele quer, no lugar onde ele quer, pelo tempo que ele achar necessário, condicionado apenas ao propósito do seu querer e à adoração que recebe. É a nossa correta adoração que faz com que ele perceba a nós e se volte para nós.

O seu Espírito é uma doação, é um dom e não, um objeto. Como dom, é ofertado e é suspendido, conforme a intenção e o propósito do doador, a quem o dom pertence.

O Espírito de Deus não é dado com posse definitiva, ou uma herança. É uma promessa. Uma vez doado, a promessa foi cumprida, mas a posse não é definitiva. E o Senhor somente faz esta doação a quem ele sabe ser um verdadeiro adorador, pois este vai utilizar o dom para o Seu propósito, segundo a Sua vontade, do Seu jeito.

Antes da vinda de Jesus, o Espírito de Deus vinha sobre seus ungidos, cobrindo-os com a sua virtude e usando os recursos que estes seus servos tinham deixado à sua discrição, a seu dispor. Estes servos eram instrumentos em suas mãos, para anunciar ao povo o seu erro, a sua transgressão, o seu pecado.

Estes servos não consideravam a si mesmos aptos, ou qualificados. Muito pelo contrário, eles se consideravam muito mais pecadores do que os demais, indignos de serem usados pelo Espírito de Deus. Embora conscientes da sua condição pecadora, apenas se submetiam à Sua disposição, mesmo sabendo que a morte seria certa. Eles se entregavam totalmente a Seu serviço porque a glória do serviço tinha mais valor do que a própria vida. E muitos, senão todos, foram mortos por terem se entregados a Deus (Mt 23:31; At 7:52).

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Como deve ser a adoração, para chamar a atenção do Senhor?

A resposta diz respeito à espiritualidade, pois este tipo de adoração tem de ser praticada pela consciência espiritual enquanto zela pela Verdade.

Precisamos de olhos e ouvidos espirituais provenientes de um corpo espiritual. E o corpo espiritual é uma dádiva, um estado espiritual desenvolvido por meio do Espírito Santo.

Começa quando se dá o novo nascimento, onde dá-se à luz um ser espiritual, com uma mente espiritual e uma aspiração espiritual para conhecer o mundo celestial, o Reino de Deus. É o início de uma nova vida nosso Senhor. Só fazendo parte dele, do seu ser santo, do seu corpo de glória é que podemos alcançar a espiritualidade do reino de Deus.

E como é ser espiritual?

Ser espiritual significa não ser influenciado pelas paixões da carne, não sofrer a tentação, não ter interesse ou desejo pelas ofertas do mundo, não fazer parte deste mundo, porque a inclinação da carne é morte (Rm 8:6).

Significa ter prazer, gozo e satisfação em realizar a vontade do Senhor, em ama-lo acima de tudo, em dar total atenção aos seus desígnios, ouvir somente a ele, colocá-lo acima de tudo e de todos, renunciando ao próprio eu, porque a inclinação do Espírito é vida e paz.

É amar a justiça, pois o Senhor é justo. Se amarmos a justiça não seremos fraudulentos nos negócios terrenos, buscaremos ser imparciais em nossas decisões e agir com equidade entre os homens, demonstrando honestidade, integridade, sinceridade, sobriedade, honra ao sim e ao não.

É amar a Verdade, pois o Senhor é a Verdade. Se amarmos a verdade estaremos aborrecendo a mentira, anulando as formas de engano, descartando a ilusão e a fantasia humanas que encantam o ser mundano, distraindo-o da sua salvação no Senhor.

É anunciar o Seu Evangelho com ousadia, sem vergonha e sem temor pela própria vida. Levar às pessoas o conhecimento de Jesus e de sua mensagem de salvação com ânimo e coragem, em todas as oportunidades que o Senhor aprouver. Demonstrar, em ação, o amor pelas almas que precisam ser resgatadas das ânsias da morte, pois esta é a missão e o propósito maior do Senhor para com os homens.

É confiar e se entregar plenamente ao Senhor. É não se preocupar com o amanhã, com o que ter para comer, beber ou vestir, despindo-se da ansiedade da vida terrena.

É ser pobre de espírito, manso, misericordioso, limpo de coração, aquele que constrói a paz (Mt 5:3,5,7,8,9).

É valorizar a pureza, o bem e a paz para o próximo.

É ser luz e brilhar, afugentando as trevas (Mt 5:14). Ser luz é irradiar a imagem de Jesus, para que o brilho desta imagem ilumine o caminho, para o pecador. Uma lâmpada debaixo do alqueire não pode revelar o oculto na escuridão. Logo, ser luz é não tolerar a presença do mal, não aceitar e revelar as atitudes malignas das pessoas.

É ser sal e salgar, revelando o sabor da verdadeira vida (Mt 5:13). É não aceitar a vida insonsa da carne, envolvida na conformidade mórbida do mundo e separar-se deste, a ponto de atrair as pessoas para também fazerem parte desta diferença.

É ser árvore frutífera e dar muitos frutos dignos de arrependimento (Jo 15:5). Ser frutífero é ser capaz de gerar resultados que agradam a Deus. Dar muitos frutos é multiplicar estes resultados, expandi-los de maneira que muitos cheguem ao Senhor.

É não temer a morte do corpo, pois tem a segurança da ressurreição da vida eterna (Jo 11:25). Esta atitude e segurança são estados interiores de um espírito já desperto, vivo, consciente da vida que vive em seu Senhor. A morte do corpo apenas significa total liberdade das amarras deste mundo, para retornar à vida no Senhor.

É ser como o vento que não se pode ver, mas somente ouvir, sem saber de onde vem e para onde vai (Jo 3:8).

É discernir bem tudo, e de ninguém ser discernido (1Co 2:15).

É ter a mente de Cristo (1Co 2:16). É ter Seus pensamentos, Sua palavra, Seus princípios, Seu propósito, Seu desejo, Seu prazer, Sua determinação, Sua força, Sua rendição, Sua oração, Sua comunhão com o Pai, Seu nome, Sua fome, Sua sede, Sua alegria, Sua paz e Seu amor, e a plenitude do que Ele é.

Tudo o que o Senhor ensinou no seu Evangelho é de natureza espiritual e ele nos chama para a vive-lo em plenitude, para sermos como ele, nele.

O que ele não nos ensinou é a ocupação com o fazer. Não somos nós que devemos fazer, mas deixa-lo fazer em nós e por meio de nós.

Muitos dos sacerdotes, doutores da lei, escribas e fariseus se ocupavam com o fazer, ou o não fazer. Jesus olhava para o ser deles e condenava a sua atitude, pois agiam com hipocrisia. Eles falavam e faziam, o que não eram no seu interior.

Quando o Senhor olha para o que fazemos, ou ouve o que dizemos, e vê que o nosso coração fala ou deseja de forma diferente, ele nos chama de hipócritas e vira o rosto de nós. Ninguém engana aquele que esquadrinha os corações e sabe qual é a intenção do Espírito (Rm 8:27).

De nada adianta ir à igreja assiduamente, cantar lindas e emocionantes canções, orar copiosamente, jejuar intensamente, discursar imponentemente, esmolar generosamente e cumprir as demandas litúrgicas e sacramentais, se não vivermos a espiritualidade do Evangelho. O desejo de realizar estes fazeres apenas afasta o Senhor de nossas vidas e nos conduz à morte espiritual.

O Evangelho, por sua vez, despreza e rejeita todos estes procedimentos religiosos exteriores, pois eles não refletem o estado espiritual que o Senhor quer ver em nós. Eles têm o elevado potencial de ludibriar, enganar a consciência humana, pela aparência do bem, pelo valor do ato exterior, mas são ineficazes e sem valor na adoração a Deus.

Temos de entender que a mensagem de Jesus nos chama para a profundidade da vida espiritual, do sentir, do ser, em vez da superficialidade do fazer, da aparência exterior.

O cristianismo não representa a mensagem de Jesus, pois prega e fomenta a religiosidade, por meio dos fazeres litúrgicos, da adoração exterior, da ênfase na organização e na liderança humana, do crescimento patrimonial e numérico de adeptos, e de dogmas e doutrinas que por existirem, contrariam o Evangelho. Ele representa mais a doutrina apostólica e mosaica do que o Evangelho de Cristo.

O cristianismo utiliza o nome de Cristo, da crença em Deus, da mensagem de amor divino, mas nega a humildade, a simplicidade, o desapego, a renúncia e a fé.

O cristianismo é o evangelho dos homens a serviço do adversário de Deus.

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E como é adorar em espírito?

Adorar em espírito é a vivência da espiritualidade.

Verdadeiros adoradores adoram em espírito e em verdade.

A adoração em espírito é inerente à espiritualidade, enquanto que a adoração humana está ligada à religiosidade.

Se você é espiritual, você o é porque vive em adoração. Se todas as manifestações da espiritualidade, vistas acima são, voluntariamente e conscientemente, vivenciadas no dia a dia, com alegria no coração, no teu espírito, você está em adoração. Todas elas são expressões de adoração em espírito.

Logo, adoração não é vontade de ir a uma “igreja” para adorar a Deus. Não é prostrar-se em frente a uma imagem, ou símbolo. Não é passar horas ajoelhado em posição de oração. Não é ser assíduo na leitura bíblica. Não é cantar belo hinos. Não é passar horas, ou noites, em vigília de oração. Não é participar em campanhas evangelísticas, ou encontros de culto. Não é visitar os carentes e necessitados da comunidade, ou visitar a doentes em hospitais. Não é se dispor para atender às demandas da “igreja”.

Adoração em verdade significa não estar sujeito a estados humanos ou condicionamentos humanos, como dependência de local, horário, ambiente, gesto, postura, procedimento, grupamento, vontade ou motivação. Ela está vinculada ao estado do Espírito, e sendo assim, é um estado contínuo de servidão e amor.

Atitudes ou atos provenientes do Espírito produzem frutos de justiça, de paz, de amor, de paciência, de temperança e, principalmente de fé.

O ato de crer no Senhor é um ato de adoração a ele, pois é o reconhecimento dele sendo a Verdade em nossa vida.

Quando nos arrependemos estamos adorando a ele através do reconhecimento da nossa pequenez e iniquidade.

Quando aceitamos o seu propósito de realizar o impossível e assim agimos, estamos o adorando com fé.

Quando atuamos com igualdade, imparcialidade nas demandas da vida, o estamos adorando com justiça.

Quando somos amáveis e úteis para com todos, indistintamente, sejam pessoas limpas ou sujas, como mendigos, sejam pobres ou ricas, bêbados ou doutores, agindo com compaixão pelas suas almas, em vez do seu estado aparente, estamos adorando com o amor.

Quando agimos com honestidade, falando sem mentiras ou enganos, sendo francos, sinceros, de coração aberto e transparentes, estamos o adorando com a verdade.

Quando estamos atentos às oportunidades que o Senhor nos apresenta para falar dele e do seu evangelho, estamos o adorando, conscientes do nosso papel na sua missão.

Quando nos entregamos para sermos instrumentos do Espírito, estamos o adorando de corpo e alma.

Quando focamos o bem estar de nossa família, na orientação espiritual de nossos filhos, estamos adorando ao Senhor.

A primeira expressão de adoração em espírito, de todo verdadeiro crente, é arrepender-se e crer no Senhor Jesus, como Deus e Salvador. E acredite, faz-se uma grande festa no céu. A alegria que somos incapazes de conceber, transborda nos anjos (Lc 15:7,10).

Jesus, em sua sabedoria divina, sintetizou o reino dos céus em apenas uma palavra – Verdade. Todos os atributos da vida celestial são consequências da Verdade. E a Verdade é Deus.

Justiça é feita quando se vive a Verdade, pois esta revela a equidade e a iniquidade. Misericórdia se manifesta quando a Verdade revela a injustiça. Paz acontece quando a Verdade satisfaz a ambos os lados. O amor se manifesta, pois, a Verdade é o caminho para a união (Ef 4:15).

Portanto, a verdadeira adoração, a espiritual, só existe numa vida que tem como referência a Verdade.

Fora da Verdade só existe engano, mentira, falsidade que somente produzem injustiça, dor, guerra, destruição e morte.

O verdadeiro adorador, quando “fala” com o Senhor, o coração está aberto, a consciência confessa quem ele realmente é, ou seja, um miserável pecador, traidor da soberania divina, idólatra do seu eu. Se apresenta ao Senhor na condição de indigno de qualquer favor ou misericórdia divina, ciente da sua sentença condenatória.

Olhemos para Davi, conhecido como verdadeiro adorador e um homem segundo o coração de Deus. Dentre todos os seus salmos, se não todos, ele invoca a Deus com o coração quebrantado, com o espírito contrito, em amargura de espírito, em desespero de alma. Ele confessa ao Senhor o que ele conhece de si mesmo, o que a sua consciência o acusa, e o senhor sabe que realmente este é o estado do seu coração. O Senhor não via hipocrisia em Davi e por isso atentava para a sua súplica ou ação de graças.

Existe um exemplo melhor de verdadeiro adorador do que Davi?

Sim. Apenas o Filho Jesus que confessava ao Pai a fraqueza da sua natureza humana, mas ainda assim, se colocava à inteira discrição ou vontade do Pai.

Qual é o erro em confessar-se o que se é realmente?

Nenhum. O erro é querer ocultar, principalmente de si mesmo, pois de Deus é impossível. Temos de reconhecer e confessar ao Senhor, a nossa natureza errante, a nossa tendência para o egoísmo, para os nossos interesses em detrimento de outros. Temos de contar para ele da nossa tendência à satisfação de desejos da carne. Ele quer saber se sabemos da nossa agência para a desigualdade, para a distinção, para a acepção, para a discórdia. Ele quer ouvir de nosso coração que gostamos do domínio, do controle, do poder, do possuir e do acumular, tudo para satisfação do nosso ego, pois ele sabe que assim somos. O nosso erro é não reconhecer que a nossa natureza é uma agente do mal.

Quando o Senhor “ouve” de nossos pensamentos, esta confissão, ele não nos vê mais como hipócritas e concede a sua atenção.

A beleza em conhecer e confessar a si mesmo está no reconhecer que precisa mudar, ou ser mudado para o outro lado, para não ser o que sabe que é, e buscar pelo socorro daquele que é capaz de transformá-lo, de regenerá-lo.

E o Senhor Jesus, nosso Deus e Salvador, é o único capaz deste feito. Sem ele não temos saída, não temos a quem recorrer. Sem ele não há salvação. Sem ele o que nos resta é o cumprimento da sentença já decretada, a morte eterna, a extinção da nossa alma (Mc 16:16; Jo 3:18; Tt 3:11).

E porque ele é o único? Você perguntaria.

Por acaso você sabe, ou ouviu falar, ou conhece alguém que fez um morto reviver, que andou sobre as águas, que alimentou multidões com poucos alimentos, que morreu, porém, ressuscitou, cuja tumba está vazia e ainda se manifesta, vivo, por meio do seu Espírito?

Eu nunca soube que alguém tivesse feito estas coisas neste mundo, a não ser o Senhor Jesus. Por isso eu afirmo que ele é o único.

Ele veio do mundo espiritual e foi o Filho santo de Deus. Ele, sendo Deus, veio para o propósito de nos salvar de nós mesmos, da natureza do mal, do pecado que há em nós. O Pai providenciou, nele, o caminho, a porta, a ressurreição e a vida do seu Espírito (Mt 7:13,14; Jo 11:25; 14:19; Lc 20:36). Ele é o único meio para efetivação desta salvação.

O Espírito Santo é Jesus em pessoa. Por isso ele é real e vive. Por isso ele é o único e não há outro que seja capaz de nos salvar (At 4:12).

Como o ser humano, imerso em tamanha ignorância espiritual, poderia ser capaz de se tornar ser vivo espiritual?

Não há um sequer.

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Agora, eu pergunto: o que é adoração?

Vimos como é a natureza e o comportamento de quem adora e como a adoração está intrinsecamente ligada à espiritualidade deste.

Porém, precisamos falar algo mais sobre os aspectos da adoração.

Adorar é considerar uma pessoa ou uma coisa, o mais excelente, o máximo, o melhor de todos, o supremo e sublime. Quando adoramos estamos considerando e colocando no nível mais alto de importância, de majestade, de autoridade e de poder. Nada existe que seja superior.

As formas de adoração variam desde a prostração até o auto sacrifício físico.

O mundo se utiliza da prostração quando a adoração é dirigida a reis, imperadores, legisladores, juízes ou autoridades (2Cr 7:3; Mt 4:9; 28:9; Ap 3:9).

O diabo exigiu do Senhor Jesus a adoração por meio de prostração. Logo, esta forma de adoração é bem desejada pelo maligno. Isto é comprovado quando olhamos para os homens e autoridades da nobreza que buscavam ser adorados. Era um reconhecimento ao seu poder.

O poder, por sua vez, está relacionado com a capacidade de dominar, de obrigar, de exigir, de dispor da vida de quem quer que seja, a seu bel prazer, pelo sofrimento, pela dor e pela morte. É para isto que serve o poder (Mt 10:42-45). É o que capacita o homem para cercar-se de adoradores.

A adoração a deuses pagãos também exigia a submissão ao mandamento e à vontade dos sacerdotes dos deuses. Os deuses não tinham poder algum, mas os sacerdotes estavam imbuídos desse poder.

A mentalidade ignorante do homem deduziu que em troca de “favores” materiais dos deuses, como a proteção de animais selvagens, de calamidades naturais, a concessão de uma farta colheita e o aumento do gado, tinham de ser prestadas ofertas de suas colheitas e sacrifícios, tanto de animais quanto de humanos.

O ser humano era o prejudicado, por ser o alvo da desgraça natural e por ser aquele que perderia a vida. Nunca houve deuses que perderam a vida, ou foram prejudicados. Nunca houve sacerdotes que perderam a vida, ou foram prejudicados. Estes sempre foram os privilegiados.

A adoração religiosa judaica também utiliza de mecanismos de subjugo similares. São mecanismos de opressão porque são obrigatórios, com penalidades que chega à morte.

A palavra religiosidade é derivada do termo religião e significa o envolvimento com a atividade religiosa, por meio de sentimentos ou tendências ao sagrado [1]. Pode ainda ser entendido como crença e prática de uma religião ou sistema de crenças [2].

A adoração religiosa cristã sofreu muitas mudanças, partindo da adoração judaica, passando por influências pagãs e culminando na forma atualmente adotada.

A adoração religiosa judaica era fundamentada nos procedimentos determinados na lei mosaica, com respeito à aproximação do indivíduo ao templo, para a apresentação de ofertas, sacrifícios, e no sinal fisiológico de todo macho israelita, quanto ao cumprimento do convênio que o Senhor fez com Abraão, ou seja, a circuncisão. Tudo estava baseado em fazeres sagrados obrigatórios.

A adoração cristã não adotava e não encorajava estes procedimentos judaicos, nem mesmo no tocante à circuncisão. Por outro lado, as religiões que compuseram o cristianismo determinaram certas práticas litúrgicas e sacramentais, oriundas do judaísmo e do paganismo, que acabaram na esfera da obrigatoriedade.

A adoração religiosa cristã moderna mudou muito quanto à obrigatoriedade e penalidade, porém, ainda mantém o domínio efetivo, por meio da religiosidade. Ainda faz uso de rituais, cerimoniais e doutrinas, levando os adeptos a acreditarem na eficácia da adoração, por meio da realização de procedimentos. Adotam, também, as formas de conduta regidos por atitudes, leis, regras ou doutrinas. O simbolismo que envolve esta adoração promove a sensação de elevação espiritual ou transcendental. Esta sensação é a base da devoção.

A devoção é o fruto da religiosidade. A devoção é a intuição de que para agradar a Deus é preciso fazer alguma coisa para Ele, desde a mais simples, como rezar um terço, seguindo para a doação de bens materiais para a igreja, até o extremismo da auto flagelação, ou sacrifício da própria vida.

A igreja precisa do devoto para que subsista. São as contribuições financeiras, materiais e de serviços desses devotos que fazem-nas crescer, expandir em seus projetos de acumulação de patrimônio. São eles que financiam os instrumentos internos de liturgia, os utensílios, objetos, vestimentas e tudo o mais considerado sacro.

Os devotos nunca estão conscientes da manipulação religiosa de suas vontades por parte daqueles que se beneficiam desta manipulação.

Se alguém deixa de reter o que possui, ou abre mão de possuir o que lhe é merecido, com certeza outro alguém está possuindo mais.

A religiosidade tem sido o maior obstáculo para o desenvolvimento espiritual da humanidade. Ela tem aprisionado a consciência humana dentro de um paradigma puramente material que lhe deixa vulnerável, totalmente suscetível à manipulação. Esta é a razão por que o homem vem sendo encarcerado pelas religiões, pois são elas as mentoras, as responsáveis pelo desenvolvimento de protótipos de alienação espiritual.

Precisamos entender que a religiosidade não é o caminho para a espiritualidade. A religiosidade é apenas a materialização da adoração. Representa a prática da religião. A prática é o fazer exterior que a religião nos ensina e exige de nós, como ato de fidelidade.

Como exemplo de tais práticas, cito o pagamento do dízimo, o batismo, seja por aspersão quanto por imersão, o cerimonial da santa ceia, a lavagem de pés, a santidade da autoridade eclesiástica e do sacerdócio, a guarda de dias em memória de homens santos, do dia de sábado, ou do domingo, como dia santo e a construção de igrejas, santuários, mosteiros, conventos e templos de adoração a Deus. Com estas práticas seguem as doutrinas de fé e de opressão psicológica, incutindo o temor ao julgamento divino e às autoridades da igreja, com aplicação de penitências, punições, torturas e até a pena de morte, para quem não as cumpre.

A execução destas práticas é enfatizada e reforçada por meio de cerimônias, rituais, culto formal, discurso, oração formal, pública ou coletiva, música tocada ou cantada, dogmas, ordenanças e mandamentos, locais e hora sagrados, predeterminados, seleção de posturas e gestos, palavras decoradas e repetidas. São manifestações focadas no efeito do expor, do aparecer, do ser visto para ser reconhecido, seja por pessoas de posição superior, seja por Deus.

Para Deus, aquele que examina os corações, são obras mortas, pois não aperfeiçoam aquele que faz o serviço (Hb 9:9) e não chegam ao seu alcance.

A religiosidade produz a cegueira espiritual. Esta impede as pessoas de ver e entender que quando o fazer exterior não é compatível com o sentimento interior, estão sendo hipócritas. Elas não conseguem entender que em agindo assim, Deus virará o seu rosto delas.

Lembremos, sempre, que a religiosidade está vinculada ao fazer, enquanto que a espiritualidade, ao ser.

A pessoa religiosa está sempre procurando fazer algo, enquanto a espiritual está sempre se dispondo a ser usada. A pessoa religiosa é ativa, sempre querendo fazer algo para Deus, enquanto que a espiritual é passiva, sempre disponível para ser usada por Deus.

A Hipocrisia é religiosa, sendo, pois, o inverso da adoração.

Você acha que Deus, cheio de infinita e majestosa Glória, rodeado por santos anjos imortais que O glorificam “dia e noite”, precisa da adoração de seres mortais que foram expulsos da Sua presença, por traição?

Certamente não!

E você acha que os anjos O adoram porque Ele pede, exige ou gosta?

Certamente não!

Os anjos O adoram porque reconhecem que Ele é magnífico, grandioso e infinito e absoluto em Seus atributos. Eles ficam estupefatos perante a Sua excelência, a Sua perfeição, a Sua majestade sobre tudo e todos. O Seu excelso poder e misericórdia para com todos eles e para com todos os que O reconhecem como verdadeiro Deus, os fazem rejubilar na verdadeira adoração. Não é com atitudes e gestos que eles O adoram. Eles O adoram em seu ser.

Na verdade, somos nós que precisamos adorá-lo e da forma como ele é digno, da forma como Ele aceita. Ele é Deus e provedor de todas as coisas, o justo merecedor de toda nossa adoração e glória. Não é da forma como pensamos, ou quereremos, ou achamos que devemos adora-lo. Tem de ser como Ele quer e aceita. Se falharmos neste entendimento estamos fadados à nossa sentença de condenação, extinção espiritual.

A adoração a Deus é uma questão de vida e morte. De vida se Ele a aceitar. De morte se Ele a rejeitar.

A Sua aceitação será traduzida no convite – “vem, segue-me”. A Sua rejeição, na reprovação – “aparta-se de mim, praticante de iniquidade” (Mt 7:23).

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[1] https://www.significados.com.br/religiosidade/

[2] https://resumos.soescola.com/glossario/religiosidade-o-que-e-significado/