Antes de qualquer coisa, vamos tentar definir estes termos.
Louvor é elogio. É a exaltação de qualidades e virtudes observadas em uma pessoa. É uma pessoa elogiando outra.
Canto é a entoação melodiosa de palavras.
Música são sons que podemos ouvir, agrupados de forma harmônica que soem agradáveis aos nossos ouvidos.
Agora, com estes conceitos em mente, vamos analisa-los.
Quanto ao louvor, o elogio é expresso em palavras escritas ou faladas e partem daquele que reconhece a honra, o valor, a importância, a notoriedade das ações e resultados obtidos por outra pessoa. As decisões, as formas de condução e aplicação que proporcionaram o resultado eficaz, com perfeição, são, geralmente, os elementos mais observados na expressão do elogio. Portanto, se precisamos louvar a alguém, o nosso Senhor é digno de todo, pois é o único capaz de ser perfeito e agir com perfeição. Os humanos não possuem esta natureza.
Sobre o canto, é a forma melodiosa que é aplicada ao falar. Possui característica emocional, cujo fim é tocar e mover o emocional das pessoas ouvintes, já que é expresso na forma de apresentação pública. Isto significa que é executado por uma ou mais pessoas, para uma ou mais pessoas, buscando motiva-las para também executar o canto entoado. É necessário observar que tem um caráter bastante subjetivo, isto é, que o mover emocional é dependente da cultura, do nível de instrução, da idade, da comunidade e da época onde a pessoa nasceu e viveu, tanto da parte daquele que apresenta quanto da parte do que ouve. Devido a este caráter, um aspecto em particular deve ser observado – quem apresenta o canto é sujeito da admiração, ou repulsão, daqueles que ouvem.
Outrossim, sempre haverá o aspecto musical no canto. Este é sempre desenvolvido sobre a música, mesmo que não exista um instrumento musical empregado para produzir a melodia, pois a voz humana é quem a produz.
Quanto à música, ela é a base que sustenta a melodia do canto, ou a estrutura de uma composição de frases musicais. Não é formada ou composta por palavras que podem ser pronunciadas ou escritas. Na composição de frases musicais, ela é responsável por organizar e ordenar as nuances de tons musicais, em seus tempos, durações e intensidades, segundo a inspiração do compositor. Os seus elementos somente se tornam reais, com algum sentido para o ouvido humano, quando executados por instrumentos materiais. Estes, por sua vez, são construídos para reproduzir sons com características bem distintas um do outro, de forma que o ouvinte possa distinguir os instrumentos, pelos seus timbres.
É a música que fornece os elementos sonoros agradáveis ao ouvido de quem ouve. Quando os sons são desagradáveis são chamados de ruído. Da mesma forma como no canto, a música tem caráter subjetivo, pois o soar agradável, ou não, também é dependente da cultura, do nível de instrução, da idade, da comunidade onde nasceu e da época em que viveu o indivíduo que a compõe ou a executa. Como no canto, um aspecto em particular deve ser observado – quem apresenta ou executa a música é sujeito da admiração, ou repulsão, daqueles que ouvem, ou assistem.
Do exposto acima, posso concluir que apenas o louvor é a forma perfeita de expressar nosso reconhecimento à grandeza, porque não necessita de nenhum artifício de expressão, a não ser nossas palavras e sentimentos.
No que se refere ao louvor ao Senhor nosso Deus, mais expressivo e convincente é o nosso sentimento do que nossas palavras. E quando nossos sentimentos são inebriantes, eles nos levam a celebrar e proferir palavras de exaltação à majestade, grandeza, dignidade, glória e honra de Deus. Este é o único propósito do louvor a Deus (1Cr 16:4). É impossível não haver reação a este tipo de sentimento, e a reação pode ser de diversas formas, no contexto da natureza humana.
Proferir louvores sem este sentimento é hipocrisia. É abominável para Deus. Porque não estamos atuando em uma peça teatral, em uma apresentação para entreter pessoas. Quando abrimos nossas bocas, não devemos faze-lo para agradar pessoas, mas para chamar a atenção delas, para faze-las compreender teus sentimentos, os quais elas estão observando. Elas não vão dar glórias a Deus por tua apresentação teatral, mas ficarão impressionadas com a tua manifestação, com a lembrança da grandiosidade de Deus que o teu elogio leva aos seus ouvidos e entenderão que aquele a quem você louva, também deve ser louvado por elas.
“Aleluia!” não é uma exclamação de louvor que decoramos para falar quando gostamos de uma ação de Deus. Por vezes, quem a usa sequer sabe seu significado.
Ainda, pronunciar “glória a Deus” não tem nenhum significado para o Senhor. Devemos entender que ele já possui e detém em si toda glória. Não serão nossas exclamações de glória que vão enriquece-lo de glória. Os anjos celestiais o louvam de forma perfeita, muito além da nossa excelência, se formos comparar o nosso louvor com o verdadeiro. O louvor aceitável por Deus são nossos sentimentos e ações verdadeiros em prol da sua causa, no cumprimento do seu propósito aqui na terra.
A salvação de uma alma produz eterna alegria nos céus, porque uma glória foi restaurada à sua origem, ao Deus da glória (Lc 15:7).
O grande erro de Israel foi não ter entendido que o Senhor valorizava o ser e desprezava o fazer. Abominável era, e ainda é, quando o fazer não condiz com o ser.
Agora, observe que tanto o canto, quanto a música, são artifícios decorativos. Sendo assim, eles são empregados para impressionar o exterior, na forma como serão observados. Aprimora-se, adorna-se as palavras visando agradar àqueles que vão ouvi-las. O que seria uma frase em linguagem simples, direta, é modificada com métrica e rima para soar gostoso aos ouvidos, como uma poesia. Se acrescentarmos uma entoação melódica, criamos uma canção, cântico ou salmo. Se aprimorarmos ainda mais, acrescentando instrumentos musicais, teremos um show, uma apresentação glamourosa. Não é preciso nem dizer como irá olhar para esta apresentação, aquele que não dá conta para a aparência e abomina a vaidade.
Consideremos, agora, como é que as criancinhas de peito O louvam (Mt 21:16).
Será que elas sabem cantar fazendo rima?
Será que as suas vozes são afinadas e harmônicas?
Será que elas sabem fazer a segunda, ou a terceira voz?
Será que elas conhecem teoria musical e sabem tocar algum instrumento?
Será que elas memorizam as palavras ou ensaiam suas apresentações?
Será que o seu louvor tem alguma coisa a ver com a qualidade ou beleza da voz, ou da execução de um instrumento musical?
Parece-me que não é por aí, o caminho. Parece-me que está havendo um grande engano incrustado na teologia das religiões do cristianismo.
Tudo que elas têm para louvar a Deus são suas bocas que formam simples palavras com conteúdo inédito, não copiado de outros, ou decorado, ainda que seu louvor não provenha de palavras. O seu perfeito louvor é expresso por sua personalidade natural, no ser singelo, puro, inocente, ingênuo, espontâneo, humilde de espírito, desprovido de malícia e com corações que confiam cegamente, completamente livres da dúvida e do medo. Por isso, nelas o Senhor encontra o perfeito louvor (Mt 18:3).
Este é um perfil que agrada a Deus e, portanto, me agrada. Esta é a forma de aproximação correta ao louvar a Deus. Esta é a verdadeira expressão de adoração e louvor. Tudo o resto é vaidade, é desvario de mentes doentias, subvertidas pela sinfonia terrena, do maligno.
A música tocada ou cantada não é uma expressão do espírito de adoração porque não é necessária para expressar o louvor, já que bastaria abrirmos a boca e falarmos da grandeza e majestade de nosso Deus, sem nenhum esforço melódico, de ritmo, métrica, rima, ou de composições já prontas, para serem decoradas.
Nossas palavras tem de sair de nós por sentimento, inéditas e não por repetição decorada, ou lida em livro de orações e cânticos.
Da mesma forma como é utilizada no mundo secular, com forte apelo sensual, a música e o canto também têm sido usados no cristianismo, para atrair e encantar as pessoas por meio da imagem e voz sensuais.
O estilo, com a rítmica musical do mundo, foi totalmente incorporado à religiosidade, aquela do fazer para ser visto e elogiado, de forma que, o efeito que causa nas multidões do mundo está, também, causando no corpo religioso.
Nas igrejas, encontramos instrumentistas e vocalistas exibindo suas habilidades, embelezando, improvisando, cantando em falsete, com expressões faciais e gestos ensaiados, assim como fazem os músicos seculares. O mundo, que é do maligno, está presente nas formas de louvor e adoração do cristianismo, tendo a música como estímulo da sensação de bem estar emocional, da sensação de euforia ou alívio, voltados para a satisfação carnal.
Carnal, pois acaba promovendo a exaltação do homem, o reconhecimento do homem pelas suas habilidades, a fama do homem pelo seu produto, a sua glória pela ovação. Carnal, porque acaba em poucas horas. Se a fonte fosse o Espírito Santo de Deus, o resultado seria o quebrantamento de coração e a paz espiritual, acompanhados de um gozo espiritual que nunca acabaria (Sl 51:17).
O resultado de tudo isso?
Alta nas vendas de mídias gospel, proliferação de bandas e cantores, aumento de shows gospel em programas de TV, aumento do apelo dos membros por shows e apresentações nas igrejas, intensa busca por oportunidade de apresentação pessoal em palcos de igrejas, enorme interesse por formação de bandas e grupos corais, etc.
As pessoas não querem mais ler, ouvir, ou estudar sobre a vontade de Deus. O Evangelho de Jesus Cristo foi posto de lado há muito tempo. Tudo o que elas querem fazer é tocar, cantar, dançar, se apresentar na igreja. O tempo reservado para a leitura bíblica ou sermão foi reduzido sensivelmente para acomodar a ânsia de todos em querer apresentar seu corpo, sua voz, sua habilidade, sua pessoa.
A meditação sobre os princípios do Evangelho não existe mais, pois todos estão eufóricos e não sentem a necessidade de quietude da mente e da alma, para ouvir o Espírito. Existe muita leitura, mas muito pouca meditação.
Se houver três encontros por dia, em todos os dias da semana, a música tem de estar presente para preencher o tempo, festejar e divertir. Muita agitação e zero silêncio.
A música, seja no mundo, seja no cristianismo, é um mecanismo de adoração àquele que domina e rege o mundo. Por isso ela é altamente rentável nas formas mais comuns de ambição: o ganho, o lucro financeiro, o prestígio e a fama.
São expressões usadas como instrumentos para exercitar o exibicionismo, o culto ao ego humano que é uma estratégia eficaz do senhor do mundo, para chamar a adoração a si. Por isso o mundo, em todas as épocas e culturas, as valoriza e aplaude. No cristianismo, é mais uma estratégia maligna de mascaramento do verdadeiro louvor e adoração.
Tanto no mundo quanto no contexto do cristianismo, elas produzem seus resultados altamente rentáveis, materialmente.
Mas, porque então era usada em Israel, com a aprovação do Senhor?
Analisemos, de forma sucinta, o uso da música pelo povo de Israel.
Quando lemos o AT, observamos que a música foi instituída pelo rei Davi e usada, com ênfase, senão exclusiva, na adoração do templo, mais precisamente, perante a arca de Deus.
Antes de Davi, a música não era uma ordenança da Lei, como um procedimento sacerdotal. Talvez porque não fosse importante, pelo menos naquele momento, já que o tabernáculo, onde a arca do testemunho se encontrava, era constituído de uma tenda que estava sempre em deslocamento, em vez de um templo, como um local fixo e definitivo. Assim, quando ela aconteceu, não foi de forma metódica, organizada, como Davi a instituiu. Muito poucas são as passagens que fazem referência à música ou ao louvor, antes de Davi (Gn 4:21; 31:27; Ex 15:2,20-21; 19:13,16,19; 20:18; 32:18; Nm 21:17; Dt 31:19-32:47; Jz 5:1,3,12; 11:3; 1Sm 10:5; 1Cr 25:1) [1].
Embora Davi não fosse levita, mas da tribo de Judá, foi aceito pelo Senhor porque era um homem segundo o Seu coração e um rei ungido por Ele. Além disso, a música era destinada ao serviço do Senhor e conforme um protocolo bem específico (1Cr; 2Cr). Nenhum outro sacerdote ou levita ousaria ter tal ou qualquer outra iniciativa, excepcionalmente, mesmo considerando que todo e qualquer serviço do tabernáculo pertencia aos da tribo de Levi, separados e preparados para tal.
A música instituída por Davi recebeu diversas formas de expressão de louvor, como salmo, cântico e dança, com o uso de instrumentos musicais (1Cr 15:16). Os procedimentos para a sua execução eram bem específicos e obrigatórios, assim como os instrumentos que eram permitidos. Só podiam ser executados por levitas e perante a arca da aliança de Deus, quando os sacerdotes usavam cornetas e trombetas (1Cr 15:24; 16:6). Só quem entendesse e fosse destro no instrumento é quem podia toca-los (1Cr 15:22). Estes levitas foram chamados de cantores e estavam debaixo das ordens do rei Davi (1Cr 25:6). Os chamados instrumentos de Davi foram aqueles que ele próprio fabricou (2Cr 29:26). Nos moldes como Davi determinou, este procedimento passou a ser um ministério a ser cumprido perante a arca de Deus. Assim sendo, foi aprovado por Deus, por meio do profeta Natã, no templo construído por Salomão (2Cr 29:25).
Davi deu início a este ministério no templo louvando com um primeiro salmo (1Cr 16:7-36). A essência deste salmo foi o louvor às magníficas obras realizadas pela majestade, força, alegria e santidade do Deus de Israel (1Cr 16:7-10, 27-28).
Um estudo mais conciso nos mostra que, no tempo de Israel, a música, nos moldes como Davi a instituiu, foi de grande importância na proclamação do Deus de Israel, tanto para trazer à lembrança as obras e a glória deste, para o próprio Israel, quanto para levar o conhecimento do Deus de Israel aos povos que haviam ao redor.
Lembremos que Deus sempre atuou indiretamente com Israel, por meio da Lei e dos profetas. Pela Lei, para a obediência e santidade. Pelos profetas para zelar pelo Seu nome que se fez conhecido por um povo rebelde, de coração endurecido e obstinado (Ez 2:3-8; Is 46:12).
Portanto, todas as formas de expressão da glória e majestade do Senhor Lhe eram aceitáveis, para que o Seu nome fosse proclamado e conhecido por todas as nações ao redor. Porém, devemos observar que os louvores entoados e acompanhados pela música eram específicos para a adoração no templo. Quando no tabernáculo, ou fora dele, o povo era estimulado, pelos da classe sacerdotal, a darem graças e louvarem a seu Deus, com ou sem a música.
Agora me responda. Por que a música deixou de ser o foco das atenções depois da morte de Davi? Por que não foram feitas tantas referências à música e ao canto no serviço do templo, após Salomão?
Os sacerdotes e o povo tinham a música, os cantores e os instrumentos musicais, mas, onde estavam os salmos, os louvores? onde estavam os corações puros e verdadeiros para louvarem a Deus? Onde estava a obediência aos preceitos e mandamentos de Deus?
O povo desobedeceu, se distanciou de Deus, começando pelos reis que sucederam, até que o Senhor virou seu rosto e entregou o seu povo às consequências de sua desobediência. Guerras, traições, assassinatos, fome, perseguição e morte. Muitas mortes até a sua saída para a Babilônia.
Israel anulou a aliança que o Senhor fez com ele (Dt 31:16-21). A arca do testemunho nunca mais foi encontrada e o Senhor não mais esteve presente no Santo dos Santos, até que se fez presente em carne e osso, no Filho de Deus.
Israel tinha a Lei e não lhe serviu. Receberam a música, o canto, os instrumentos musicais e os procedimentos inerentes, os louvores e salmos do Rei, mas nada disso lhe serviu. Foram enviados profetas e, ainda, não lhe adiantou em nada.
Era o povo escolhido por Deus; recebeu o Seu nome; presenciou dezenas de maravilhas das mãos do Senhor; o Senhor andava no meio do povo; estava presente no tabernáculo.
Profetas realizaram sinais e maravilhas para que o povo se fizesse convencido da sua rebeldia, mas era um povo de dura cerviz, de coração endurecido e obstinado e o Senhor os abandonou.
Quem mais sobre a face desta terra teve o privilégio de ver, presenciar e testemunhar a grandeza e majestade de Deus?
Porém nada lhes serviu, nada lhes adiantou. Com Lei ou sem Lei, com templo ou sem templo, com sacrifícios ou sem sacrifícios, com a arca ou sem a arca, com música ou sem música, com louvores, orações e jejuns ou sem, perderam o seu momento de salvação, e rejeitaram a sua hora de redenção.
As religiões do cristianismo que valorizam e se empenham na prática de procedimentos rituais demonstram alimentar o mesmo ânimo que o povo de Israel. Focam no fazer e esquecem o ser (1Sm 15:22; Is 58:5-14). Elas vão perder a sua hora de salvação.
Davi era um verdadeiro adorador do Senhor. Seus salmos revelam a natureza da sua fé e o comprometimento do seu coração pela causa do Senhor. Nestes, podemos ver seu coração totalmente desnudo, sem se importar com que qualquer pessoa poderia pensar ou dizer sobre seus sentimentos e angustias. Quando feliz, se fez notório em gratidão ao Senhor. Quando perseguido, deixou desvelada a sua dor, seu sofrimento e a sua confiança na providência dos caminhos do Senhor. Seus salmos mostram a sua fé e inteira disponibilidade para servir ao Senhor, seja qual fosse os meios e os caminhos que o Senhor determinasse. Seu coração era puro, humilde e obediente.
Quando ainda moço, antes de ser escolhido para ser rei em Israel, tocava sua harpa e louvava a Deus tendo como palco as campinas isoladas do pastoreio e como plateia, suas ovelhas. Estas não sabiam bater palmas, ovacionar, levantar-se de seus lugares para o aplaudir, ou enaltecer seu talento e inspiração, e ele sequer tinha em mente uma forma de retorno, de recompensa, enquanto tocava e louvava em seu isolamento com o Senhor. O Senhor conhecia seu coração voluntário e cheio de gratidão, seu zelo quanto aos preceitos e ordenanças da Lei, a integridade de sua fé, a sua disponibilidade e disposição destemida para servi-Lo. Por isso o Senhor o ouvia e se agradava com seus louvores.
Quem ousa duvidar dos seus sentimentos para com seu Senhor?
Quem é tão obediente e comprometido com a causa do Senhor?
Quem se refugiou no esconderijo do Altíssimo?
Quem realmente descansa à sombra do Onipotente?
Não houve e não haverá outro adorador como ele, cuja empatia com o Senhor lhe proporcionava a força e a virtude do Altíssimo. Ele tocava a sua harpa e cantava louvores a Deus com o coração quebrantado e, muitas vezes em aflição de espírito. Em todas as eras, nenhuma letra de hino pode ser comparada ao conteúdo de seus salmos.
Se precisamos de um exemplo para aprendermos como é ser um verdadeiro adorador, eis aí Davi, aquele a quem o Senhor era com (1Sm 16:18). Observe-o, leia o seu coração, leia os seus sentimentos, compare a profundidade do conhecimento de si mesmo e a sua autenticidade exposta a todos, antes mesmo de se dirigir a Deus. Compare a sua humildade com a humildade vivida pelo Senhor Jesus e, assim, você será capaz de entender o que é ser um adorador em espírito, do tipo que o Pai busca (Jo 4:23-24).
Mas, por que estamos olhando para o passado que não serve como parâmetro ou referência de retidão e glória?
Para que buscarmos algum padrão do passado já provado ineficaz?
Por que não buscarmos um padrão, um modelo, uma referência atual, sólida, responsável, sensata, lúcida, racional e por excelência, espiritual?
Não que a providência divina não fosse justa, correta e de excelência, mas porque o objeto onde foi aplicado, o povo de Israel, estava muito aquém de compreender o valor imensurável das providências concedidas. E pelo que podemos observar, flagrantemente hoje em dia, não só o povo de Israel, mas todos os povos estão caindo diretamente na vala da degeneração espiritual irrecuperável.
Observemos o que está acontecendo bem na nossa cara, flagrante aos nossos olhos e ouvidos.
A música dita cristã, ou evangélica, ou ainda, gospel, que está sendo apresentada, oferecida, tocada e cantada publicamente, nos dias de hoje, não passa de uma forma de promoção ao ego humano.
Parece uma declaração bastante radical, por agora, mas veremos o porquê.
Embora muito diferente e distante da que, outrora, foi utilizada na adoração e louvor judaico e que foi ineficaz para os seus fins, a música e o louvor atual está, igualmente, caminhando pelo mesmo sulco do atoleiro. Está faltando o que precede a qualquer pronunciamento de nossos lábios: o prazer do coração em obedecer, o amor pela causa do Senhor e o comprometimento do servir voluntariamente.
Apesar de todo esforço do povo de Israel, pós retorno da babilônia, na reconstrução de Jerusalém e do templo, na recomposição da Lei e dos escritos proféticos que haviam sido perdidos, no restabelecimento das ordenanças, celebrações e sacrifícios do templo, o Senhor já não se fazia presente.
Não é estranho vermos o Senhor falando com e usando reis gentios, da Pérsia, em vez de levantar um profeta e libertador de entre o povo de Israel, como o fez com Moisés, para providenciar o retorno do povo a Jerusalém (Ed 1:1-3)?
Não é estranho que em vinte anos de elevação dos muros e do templo apenas dois profetas foram levantados pelo Senhor para profetizar a Israel, e justamente para lançar em rosto a sua persistente negligência para com a Sua casa?
E o que dizer da desobediência dos preceitos da Sua Lei, unindo-se com mulheres e homens gentios e desrespeitando o sábado?
A natureza do coração do povo ainda era a mesma de antes do exílio. O Senhor ainda estava distante. Continuavam fazendo coisas para Deus, mas possuindo suas vidas em pecado. Ofereciam celebrações, festas, sacrifícios, ofertas, trabalho, tudo certinho conforme a Lei, mas, o mais importante da Lei eles desprezaram e continuaram no pecado. Tudo o que eles eram e faziam os trouxe para a rejeição e crucificação do ungido de Deus, o Messias.
Nos dias de hoje, temos um cenário semelhante acontecendo.
Não temos louvores.
O que temos é muitos cantores e músicas do estilo mundano, do tipo mil temas e no formato 71, isto é, 70 estrofes e 1 verso. Temos temas para relacionamentos humanos, para acontecimentos desagradáveis e agradáveis da vida, para elevar o moral e a auto estima, para incentivar a auto ajuda e o positivismo, para a funeral e nascimento de entes queridos, para a vitória ou sucesso das petições, para encontrar o par perfeito, para contar histórias bíblicas, para falar da vida de Jesus, para falar da morte de Jesus, para falar da necessidade de encontrar Jesus, para falar da cruz e do sangue de Jesus, para falar da necessidade de crer em Jesus, para falar do arrebatamento, da tribulação, da perseguição, dos desencontros, da marca da besta e assim vai. Como disse, temos mil temas, todos no formato de apresentação a uma audiência.
O louvor não anda por este caminho.
Lembremos, no entanto, que o louvor vem em segundo lugar (Sl 100:2). Antes de abrimos nossas bocas para proferir qualquer palavra de louvor, temos de estar vivendo a vontade de Deus. Porque palavras são apenas palavras e nada significam para o Senhor. Quem conhece as intenções dos corações não se prende à palavra dita.
O fazer exterior é o artifício perfeito para exercitar a hipocrisia, ou seja, acobertar a verdade. Baseia-se numa estratégia de elevada apreciação no mundo, o que indica que é do maligno: a aparência.
Jesus Cristo condenou a hipocrisia, isto é, a disposição para agir em desacordo com o que se sente ou pensa, cujo fim é de tirar proveito de pessoas ou situações, por meio do engano. Ensinou que o meio de conhecer o que havia no coração das pessoas era através de seus frutos, mais do que suas palavras.
O problema é que a hipocrisia é capaz de camuflar os frutos, por um fazer manipulado, com a aparência do bem. É claro que em algum momento a pessoa vai deslizar e mostrar quem realmente ela é e o que pensa.
O Senhor se opunha aos grupos religiosos dos fariseus e saduceus, e à classe sacerdotal, por sua hipocrisia. Este último formava a liderança, ou autoridades religiosas da época. Portanto, eles estavam sempre reprovando e acusando a Jesus Cristo, porque a sua pregação desmoronava as suas verdades.
Jesus Cristo era o paradigma que os religiosos não conseguiam superar e entender. A sua religiosidade e crenças os impediam de aceitar a singeleza da natureza espiritual da mensagem do Pai. Era impossível para eles aceitarem que o que Jesus falava e ensinava, era a Palavra de Deus, vindo diretamente de Deus.
Jesus deixou claro que a adoração verdadeira era de natureza espiritual, isto é, com origem no nosso ser espiritual, quando nos empenhamos em viver a Verdade (Jo 4:23).
Ele quis dizer que a adoração é uma disposição da alma que move o nosso ser espiritual, interior, para admirar e reconhecer a grandeza de Deus, através da Sua natureza que é a Verdade e, não, por meio de procederes que a Lei Mosaica exigia.
Esta declaração é incrível! Ela converge o enorme leque das nossas interpretações individuais, para apenas um único pensamento padrão: nada de material ou baseado no material ou dependente do material ou apoiado pelo material é aceito por Deus. Ele não precisa de nada desse mundo, que nada desse mundo é de interesse dele, que nada desse mundo pode ser eficaz para o alegrar ou influenciar a sua vontade.
A natureza espiritual da mensagem de Cristo é o que o levava a quebrar a lei do sábado e a lei do templo, motivos que o levaram a julgamento e morte.
A busca e zelo pela verdade é um ato de adoração a Deus; a disposição para a santidade, também; a fé no filho de Deus; a renúncia a nós mesmos e a tudo desse mundo; a disposição e disponibilidade para o seu serviço; o comprometimento com a sua missão. O cuidado e zelo por nossa família, pela esposa, pelo marido e pelos filhos também é um ato de adoração. A prontidão para ajudar quando a ajuda é necessária é um ato de adoração.
A forma mais expressiva de adoração que ele se agrada em ver em nós é o nosso empenho para a salvação das almas.
Portanto, não faz sentido apenas falar e nada fazer, no tocante ao louvor, ou ao canto de louvores.
Cantar louvores é uma forma de louvar, porém, não se trata de um programa para eventos e, menos ainda, dependente de momentos ou lugares reservados, como em encontros religiosos.
Aqui nós flagramos o caráter maligno do canto no cristianismo. Em vez dos compositores e cantores crentes rejeitarem as tendências do mundo, estes adornam a prática mundana com um vestido de aparência espiritual, acrescentam enfeites emocionais, adequam para ambientes religiosos e incorporam ao show de adoração.
Convenhamos, é muito mais natural e sensato falar das grandezas de Deus do que realizar ensaios poéticos e melodiosos. Ainda, o verdadeiro louvor deve ser inédito, não decorado, vindo espontaneamente do coração do autor.
Agora, eu questiono: por que o alto volume do som nos encontros?
Trata-se de marketing evangélico, isto é, de divulgação sonora em igrejas ou veículos ambulantes?
Se for, não passa de um desrespeito a liberdade alheia. Agride a liberdade daquele que não quer ouvir.
Deus não impõe a alguém o ouvir seus preceitos e não obriga a sua aceitação. Quando Ele se manifesta, sempre dá liberdade para a escolha. Tudo que é feito por imposição não provém Dele.
Quando Cristo ensinava, não obrigava a ninguém a ouvi-lo. Muito pelo contrário, afastava-se dos lugares movimentados e as pessoas que queriam ouvi-lo o acompanhavam. Mesmo quando ia ao templo, ela falava para aqueles que o seguiram e para aqueles que dele se aproximaram.
O evangelho de Jesus Cristo não é uma mercadoria comercial, de compra e venda, que deva ser revestida de roupagem atraente aos olhos do mundo, para aumentar a sua aceitação e acrescentar o número de adeptos. O crescimento numérico, neste modelo de cristianismo é sinônimo de enriquecimento financeiro.
A proliferação de cantores e da música evangélica, ou gospel, é mais uma evidência da vantagem financeira que os recompensa. É a forma mundana de alcançar o prestígio promovendo o culto ao ego e ao homem.
O instrumento utilizado por Deus para alcançar as almas foi o encontro face a face e a certeza de que a sua mensagem foi ouvida. Foi assim que Jesus procedeu e comissionou a todos.
Também, nunca se soube se Jesus cantava o evangelho para seus seguidores.
Temos apenas uma referência nos evangelhos onde um hino foi cantado e esta ocorrência não pode ser um argumento que justifique todo este afã que foi conferido à música, no cristianismo. Além disso, é estranho que outros evangelistas tenham omitido esta passagem, se a consideravam de relevância. Ouso pensar que tenha sido um acréscimo posterior que veio atender a certos interesses desconhecidos.
Temos tudo o que é suficiente para a nossa salvação e não precisamos incrementar com a nossa invenção.
Temos a mensagem do Senhor para a nossa hora, o Evangelho; temos o Espírito de Deus disponível para habitar em nós; temos o perdão dos nossos pecados já pago com o sangue do Senhor Jesus; temos um santuário para nosso refúgio, um lugar de paz e descanso e refrigério para a nossa alma; temos o pão do céu que alimenta a nossa alma e nos dá vida; temos a fonte da agua viva que nos sacia a sede espiritual; temos vestimentas santas e um nome pelo qual somos chamados; temos o reino dos céus aqui, junto a nós; temos a promessa da vida eterna e a esperança da nossa vocação.
Não temos o que nos possibilita de tocar a Deus. Nos falta a fé para amarmos o Senhor, com todo a nossa força, o nosso coração, alma e espírito, e vivermos pelo propósito da sua vinda. Sim, porque a fé no Senhor e a vida pelo seu reino nos proporciona todas as coisas de que precisamos, aqui na terra, como no céu.
Repito. Nada nos falta para a nossa salvação. Não precisamos da religiosidade do mundo cristianizado, com suas igrejas, templos, sacerdócio, líderes espirituais, e uma imensa parafernália de procederes litúrgicos, cerimoniais, rituais, discurso, música, euforia e cantoria. Tudo isso é feito de palavras, só palavras.
Não precisamos copiar a religiosidade do passado de Israel, pois foi sem efeito para eles e, certamente, será sem nenhuma eficácia para nós. Precisamos, sim, de voltar à fé do evangelho origem, ao primeiro amor, à verdadeira comunhão com o Espírito de Cristo e estar disponíveis e dispostos ao seu serviço, à sua missão. Se estivermos no Senhor Jesus, venceremos o mundo e alcançaremos o dia da redenção, quando experimentaremos a glória da eternidade que ele nos dá.
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[1] Referências retiradas do estudo “A música instrumental no louvor: Uma abordagem bíblica/histórica”, por L. A. Mott, Jr – https://estudosdabiblia.net/2003122.htm