O Dízimo

Eis aqui um tema que dá arrepios quando se debate, porque toca na ferida do interesse e da conveniência humana que o cristianismo sempre insistiu em mantê-la aberta, exposta à vulnerabilidade.

O dízimo corresponde à décima parte, ou seja, dez por cento de uma quantia de produtos, estes resultados da criação de animais, ou da colheita de plantio. Todos sabem disso, eu acho, embora esteja sendo confundido com valores monetários, quantias de dinheiro, ou bens materiais. Como a maioria dos adeptos mora em cidades, não plantam e não criam animais, foi necessário fazer uma adaptação na forma de recolher as doações e pagamentos.

No judaísmo, a função do dizimo era suprir as necessidades básicas e materiais da linhagem sacerdotal e da tribo dos levitas. Era um mandamento da Lei mosaica, pois estes não receberam herdade, isto é, terras para sua subsistência e, portanto, não tinham como se manter e manter suas famílias.

Assim sendo, desde a implantação da Lei, o Senhor providenciou o meio pelo qual a linhagem sacerdotal e os levitas pudessem subsistir.

Porém, o dízimo, ou o pagamento do dizimo já existia antes da Lei, com uma forma de aplicação diferente. Abraão pagou o dizimo a Melquisedeque, não de sua produção particular, mas do espólio resultante da vitória de guerras. O pagamento do dízimo recebeu uma nova conotação com o advento da Lei e esta foi aplicada ao povo de Israel, desde então (Lv 27:30-33; Dt 14:22-23,27).

Como consequência do exílio babilônico, a inexistência do templo e das práticas sacerdotais e levíticas levou o povo a deixar de dar o dízimo. Após o retorno a Jerusalém e a elevação dos muros, deu-se início à reconstrução do templo, à reestruturação do sacerdócio e atribuições levíticas e à escrituração da Lei. Porém o povo não estava mais comprometido com a Lei e foi preciso a intervenção de escribas e sacerdotes para fazer o povo aprende-la e focar na sua obediência, para que voltasse a ser abençoado. Assim, a lei do dízimo voltou a ser considerada relevante, bem como a prática das ofertas e sacrifícios, pois havia a promessa de bênção para a sua observância e de maldição para a desobediência.

Com a vinda do Messias Jesus e a declaração do seu evangelho houve um novo contexto para a observância da Lei, bem como uma nova aliança desvinculada da aliança da Lei (Mt 11:13; Lc 16:16). O novo pacto que o Senhor fez com os que vieram a crer nele foi fundamentado na graça concedida pelo Pai ao envia-lo para a nossa salvação. Pela aceitação desta graça, todos estariam livres do peso da Lei.

Enquanto debaixo da Lei, a justificação, ou seja, receber a justiça de Deus, somente seria possível pelo cumprimento de todos os preceitos e ordenanças lá estabelecidas. Isto significa que a justificação só aconteceria segundo o mérito daquele que cumprisse plenamente a Lei. A Lei o justificava na balança divina.

Debaixo da graça, não havia mais uma Lei ocupando um dos pratos da balança da justiça e assim, o mérito deixou de ocupar o outro prato. A graça de Deus consistia em perdoar a traição do homem, apesar de todos os defeitos da natureza humana, desde que viesse, segundo o Seu critério de escolha para a concessão da fé, a crer naquele que Ele enviou, no seu Filho.

Logo, debaixo de Sua graça, nós não precisamos fazer alguma coisa para alcançarmos a salvação, a não ser crer no Enviado Filho de Deus, a saber, Jesus. Esta fé tem de ser verdadeira, de extrema relevância, a ponto de tocar a orla do seu vestido e faze-lo voltar e olhar nos nossos olhos. A nossa fé tem de fazê-lo perceber a nossa presença, para sermos conhecidos por ele, aceitos por ele e chamados por ele, para estarmos nele.

Pelo sacrifício do Senhor Jesus, ele cumpriu toda a Lei e os profetas. As ordenanças do templo já não são mais aplicáveis aos seus seguidores. Nem mesmo a aliança de Abraão, a circuncisão, é relevante.

A linhagem sacerdotal e levítica não é mais responsável pelo serviço sagrado ao Senhor, pois os crentes no Senhor é que formam o novo sacerdócio (1Pe 2:9).

O templo já não é mais considerado a casa de Deus, pois Este já habitou em seu novo tabernáculo, Jesus. Agora, todo crente precisa ser aceito pelo Senhor para poder fazer parte de seu corpo e adentrar ao templo de Deus.

Assim sendo, a insistência na doutrina do dízimo, um requisito da Lei, passa a ser por interesse humano e para propósitos que nada tem a ver com o plano de salvação que Senhor Jesus nos oferece, gratuitamente.

O homem inventou uma estrutura religiosa que demanda coisas materiais, o que não é da vontade de Deus, para atender a seus intentos megalomaníacos. Esta dependência é a evidência da ausência de Deus. Ela ressalta a incompetência para manter a sua falsidade e hipocrisia, naquilo que inventou ser.

A organização gera custos que se tornam uma carga pesada, e são repassados para os fiéis ou adeptos.

Ela devia ser intercessora, facilitadora, porém passou a ser uma necessitada, e não poderia ser diferente, pois é o que acontece com todos que não buscam a Deus.

Para garantir a arrecadação, e não ter de pagar nada, ensina-se, ou admoesta-se, que a doação voluntária é agradável a Deus, pois serve para a manutenção e crescimento da “obra de Deus [1]”. A omissão da doação, por outro lado, é um pecado cometido contra Deus, pois se está roubando de Deus o que lhe é devido [2] (Mt 7:11). Sendo pecado, a omissão é contrária à vontade de Deus e sujeita às sanções disciplinares de Sua parte e, até da parte da instituição. Em simples e diretas palavras: se você não contribuir com seu serviço e seu dinheiro, para com a “obra de Deus”, você será condenado ao inferno, porque esta é a condenação para o pecado.

É preciso conhecer os fundamentos da mensagem do Senhor para não ser enganado. A obra de Deus e a vontade de Deus que os homens ensinam nada tem a ver com o que o Senhor já nos ensinou. É conveniente para a instituição a ignorância de seus integrantes, ou adeptos.

O mecanismo sistemático de engano coletivo os leva a filtrarem, a escolherem o que deve ser ensinado, o método que deve ser empregado e o resultado a ser alcançado. Tudo devidamente previsto.

Sem dúvida que a doação voluntária é amada por Deus, desde que destinada à subsistência dos elementos participantes do grupo que passam por necessidades materiais, e não, da instituição, pois é uma forma que o Senhor nos apresenta para exercitarmos o serviço de caridade, em Seu nome.

Pedras e pau, areia e ferro, não fazem parte das necessidades básicas e muito menos, do tipo de serviço que agrada aquele que sequer tinha onde reclinar a sua cabeça e nunca pediu por uma casa (Mt 8:20; At 7:49). São elementos completamente desnecessários para a missão de salvação das almas (Is 66:1-2,4).

De forma bem clara, Jesus já nos disse que o dinheiro nada tinha a ver com as coisas de Deus (Mt 22:17). Que para alcançar a perfeição é preciso se desfazer, desapegar de tudo o que é terreno, para entesourar no céu, e segui-lo (Mt 19:21). Foi enfático ao declarar que a riqueza terrena é um obstáculo para entrarmos no reino dos céus, pois o nosso coração certamente estará preso onde estiver o nosso tesouro (Mt 6:19-21; 19:23-24; Lc 12:32-34). Exortou a fugirmos da avareza, porque a vida não consiste na abundância do que se possui (Lc 12:15). Que, antes de qualquer coisa terrena devemos buscar o reino e a sua justiça, pois, em assim fazendo, todas as coisas terrenas seriam acrescentadas, sem o nosso cuidado ou esforço (Mt 6:33-34). Nos declarou a nossa loucura ao granjearmos a riqueza terrena, em vez da riqueza para com Deus (Lc 12:19-22; Mc 10:23-24). Nos advertiu que os cuidados deste mundo, os enganos das riquezas, as ambições de outras coisas e os deleites da vida sufocariam a sua palavra em nós e nos tornariam infrutíferos (Mc 4:19; Lc 8:14). Que existe uma morada já preparada na casa de nosso Pai (Jo 14:2. Que não necessitamos de bolsa, de ouro ou prata, ou roupas e calçados extras para trilharmos o seu caminho, pois ao fazê-lo, seremos dignos do alimento que o Senhor nos dará (Mt 10:9-10).

Ainda, Tiago nos exorta sobre o estado de miséria e podridão que sobrevém às nossas riquezas mundanas, cuja ferrugem testemunhará contra nós e devorará a nossa carne no fogo, pois cevam nossos corações ao nos proporcionar delícias e deleites na vida (Tg 5:1-6).

A nossa vida neste mundo deve ser totalmente livre, desvinculada de interesses por dinheiro, por bens, por coisas e riquezas. Na verdade, deve ser desvinculada de tudo o que é terreno, pois não somos daqui (Jo 17:16).

Se esta é a verdade do Senhor para aqueles que creem nele, por que a religiões do cristianismo não vendem tudo o que tem e dão aos pobres?

Se elas dizem que creem em Jesus, o Cristo, por que estão tão preocupadas com o possuir, ou envolta em necessidades de coisas materiais?

Se o Senhor disse para não nos preocuparmos com o que comer e vestir, por que elas buscam pela manutenção e continuidade das suas posses, preocupando-se com o dia de amanhã?

Se Jesus nos disse que já temos uma morada na casa de nosso Pai, porque elas insistem em construir casas, igrejas, templos, escolas, universidades, condomínios e toda sorte de patrimônio, passivo ou ativo, como prédios, carros, canais de TV, aviões e muitas outras coisas?

Se Jesus nos ensinou que não devemos carregar bolsas com dinheiro, ou duas camisas, ou duas sandálias, então, por que elas insistem em ter um caixa, capital de giro e provisões?

A atitude e proceder das religiões do cristianismo expressam o comportamento dos fariseus que valorizavam muito mais o material do que a virtude espiritual (Mt 23:23). Parece que eles estavam muito mais preocupados com as coisas materiais que os outros lhes deviam, segundo a Lei, e esqueceram aquilo que realmente era o foco, a essência, o mais importante da Lei, o juízo, a misericórdia e a fé.

Quanto aos apelos para a arrecadação que vemos acontecer nos encontros, chega a ser humilhante, insultante e vergonhoso.

Descaradamente pedem e coagem os adeptos através de diversas formas de sujeição, tais como, campanhas, carnês, amuletos, livros, cd’s e vídeos de músicas e sermões.

O que pensar, então, dos adeptos, dos fiéis?

Será que eles não questionam se este proceder é correto?

Será que eles não leem o que está escrito nos evangelhos?

Será que eles não são capazes de entender o que Jesus falou?

Será que eles preferem ficar passivos, acomodados, confortáveis, satisfeitos com o que eles estão comprando?

A única explicação para isso acontecer é a total, passiva, ingênua e ignorante fé no homem, em vez da fé no Filho de Deus. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus (Jo 8:50; Rm 3:11).

Este é o aspecto mais perigoso da fé humana. A aceitação passiva, sem questionamento, o que demonstra a ociosidade espiritual, o desinteresse ou descaso pela verdade, a falta da sede de salvação. São crentes mornos, não são frios nem quentes e, por isso, serão vomitados da boca de Deus. Suas riquezas terrenas lhes abastaram e não tem falta de nada. Não sabem que são desgraçados e miseráveis, pobres, cegos e nus (Ap 3:16,17).

Na verdade, o conhecimento de Deus, mesmo que incompleto e tendencioso, está sendo negociado como produto de barganha, na forma de objetos, discursos e promessas. Vendem suas promessas de favores de Deus que não lhes pertencem.

Quando não se é capaz de oferecer o verdadeiro pão do céu, oferece-se pedras (Mt 7:9).

O maligno criou a diretriz primeira de sua estratégia e usa seus enviados para fazer cumprir. O seu maior interesse é anular o plano de Deus, desviando a atenção das pessoas da relevância do retorno do Senhor, para a ocupação dos serviços das instituições religiosas humanas. Ao fazer as pessoas darem mais importância para o que as instituições e seus líderes religiosos dizem, ele as afasta de nosso Senhor.

As práticas destas e de seus líderes são fatos que depõe contra os princípios da genuína mensagem do Evangelho.

Que obra é esta que necessita daquilo que o Filho de Deus, aquele que Deus enviou para falar as palavras de Deus, reprova (Jo 3:34)? A obra do maligno, seguramente.

O Senhor Jesus sempre se dirigiu aos pobres de bens e de espírito. Enfatizou o desapego material, a simplicidade, a humildade, a singeleza de coração e a fé para a salvação da alma.

Seu objetivo não era o crescimento ou acúmulo de riqueza materiais. Pelo contrário, repreendia quem nela confiava. Pouco falou sobre o dinheiro e, quando a ele se referiu, disse que não pertencia a Deus.

Ensinava o renunciar de si mesmo, das riquezas desse mundo, para armazenar o tesouro celestial. Mais importante era a salvação da alma do que o ganho da vida. Nem mesmo o alimento e o corpo eram mais importantes que a alma. Disse que a sua igreja não é deste mundo e, portanto, não investe e, tão pouco, valoriza as coisas deste mundo.

Por dois mil anos o cristianismo está disseminando este dogma na fé cristã, adulterando a verdade do evangelho de Cristo e envenenando as mentes de homens e mulheres que se deixam envenenar, por medo ou por conveniência aos seus próprios interesses.

João, o batista, os chamou de raça de víboras (Mt 3:7-8).

Jesus os chamou de hipócritas, serpentes, raça de víboras (Mt 12:34 e 23:33).

Paulo os chamou de filhos do diabo (At 13:10).

Pedro os chamou de filhos da maldição (2Pe 2:14).

O que mais dizer, a não ser que as religiões do cristianismo estão fazendo um excelente trabalho anticristão? Com toda propriedade poderíamos chamá-las de religiões anticristãs.

Jesus nos disse, ainda, para cingirmos os nossos lombos e mantermos as nossas candeias acesas (Lc 12:35). Ele não mencionou bens, dinheiro e riquezas.

O foco da igreja genuinamente cristã é explícito: pregar o evangelho. E o evangelho trata do reino dos céus. Nele não há enfermos, leprosos, mortos, endemoniados e ricos (Mt 10:7-8). E é em assim agindo, em conformidade com o reino dos céus que o evangelho deve ser pregado.

Lembremos que ninguém pode servir a dois senhores (Mt 6:24).

Que um único desafio seja dado para que o adversário de Deus seja desmascarado e a falsidade do cristianismo comprovada.

Vendam tudo o que tem e deem aos pobres; retire-se todo centavo dos seus cofres; esvaziem-se suas bolsas; deixem de usar o dinheiro e elimine-se de sua pauta de pregação todo apelo para a arrecadação de recursos materiais e, aí então, veremos se ainda existirão.

Certamente que um ano é muito tempo para que a sua vergonha seja revelada e suficiente para mostrar que não passam de nuvens levadas pelo vento, árvores sem raízes, casas sobre a areia, sementes entre espinhos, pois não possuem a fonte da riqueza celestial. A presença da Palavra e do Espírito de Deus.

E que cada um julgue, não de acordo com a sua consciência, mas de acordo com o guia supremo que deve reger todo o julgamento: o Evangelho de Jesus Cristo (Jo 12:48).

Nada ou ninguém mais tem autoridade para tal!

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[1] Recomendo, antes, a leitura do tema “obra de Deus”.

[2] Vemos aqui o uso de interpretação bíblica para fins particulares (2Pe 1:20).